por Egídio Dórea
Simone de Beauvoir, célebre filósofa francesa e autora de um dos mais profundos estudos antropológicos sobre a velhice, resgatou nesse livro uma descrição do envelhecimento datada de 2500 anos de um poeta egípcio que a termina com a frase: “... a velhice é a pior desgraça que pode acontecer ao homem.” Neste relato, ele descreve o envelhecimento sob a ótica de perdas e adoecimento. Hoje, 2500 anos após, a velhice está prestes a ser classificada como doença. A própria Simone, em outra frase famosa, disse que envelhecer é viver. Será que viver tornou-se uma doença?
Um dos grandes fomentadores do preconceito pela idade, idadismo, é o de enxergarmos o envelhecimento como perdas, incapacidade, improdutividade, isolamento e doenças. São os estereótipos negativos que incorporamos ao longo das nossas vidas e que em determinado momento são ativados e fazem com que tenhamos pensamentos e atitudes discriminatórias. O idadismo é considerado o mais frequente, afeta cerca de 80% da população idosa; universal, pois independe de cor, orientação sexual, religião, gênero e religião; e o menos discutido dos preconceitos. Impacta negativamente as nossas oportunidades para um envelhecimento “saudável” e encurta a expectativa de vida em até 7,5 anos. Conscientizar as pessoas sobre o processo de envelhecimento e desconstruir os estereótipos negativos através da informação e convívio intergeracional são os meios mais efetivos para combatê-lo. Mas como fazer isso com o envelhecimento sendo declarado oficialmente como doença? Quem, a partir deste momento, gostará de ser identificado como velho-doente? Quem quererá fazer parte desse novo grupo de quase 1 bilhão de novos doentes? 34 milhões somente no Brasil?
A categorização e medicalização de um processo natural do curso de vida é um grande retrocesso, senão uma violência contra todos nós: presente e futuro. Um novo motivo que alimenta, como bem citou Robert Butler, o paradoxo de que ao mesmo tempo em que festejamos os nossos ganhos de vida continuamos embebidos na cultura do medo de envelhecer. Provavelmente, beneficiará grandes atores da indústria farmacêutica e de cosméticos que há anos lutam por essa inclusão. Mas individualmente e como o grupo populacional que mais crescerá nas próximas décadas só nos tornará mais excluídos. 2020- 2021 ficarão na nossa história como anos em que o idadismo foi manifestado de forma magnificada. Primeiramente, pela pandemia da COVID-19 e agora pela inclusão da velhice no código internacional das doenças. Ironicamente no momento em que a organização mundial de saúde lançou a década do envelhecimento saudável. Representam o retrato da nossa cultura que desvaloriza passado, história, conquistas e que impede as pessoas de envelhecerem com propósitos e de viverem sem o estigma de serem consideradas doentes.
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Egídio Lima Dórea
Graduação em Medicina pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Residência e
doutorado em Nefrologia pela Universidade de São Paulo. Professor de Medicina da
Universidade São Caetano do Sul. Diretor da Aging 2.0 Chapter Brazil. Coordenador da
Universidade Aberta à Terceira Idade da USP (USP 60+). Coordenador do programa USP Rumo ao Envelhecimento Ativo. Membro da comissão de Direitos Humanos da USP. Conselheiro do International Longevity Centre Brazil.
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